"Nas últimas duas décadas, tem crescido, entre os europeus, a consciência de que a pobreza não desapareceu dos seus territórios - antes se generalizou - apesar do crescimento económico e da prosperidade material entretanto alcançada.A pobreza existe: dizem-no a frieza dos números das estatísticas, relatórios e estudos académicos, mas também, de forma mais gritante, certos rostos que cruzam connosco nas ruas ou, mais recentemente, as histórias de vida de ex-colegas de trabalho agora sem emprego, crianças que chegam às escolas subnutridas e mal cuidadas ou idosos cujas pensões ficam aquém das suas necessidades mais básicas.
Os media têm tido o mérito de alertar as consciências para este flagelo e de chamar a atenção para que a pobreza e a exclusão social não são uma fatalidade, mas antes produto ou consequência de uma sociedade mal organizada e de uma economia, que sabe criar riqueza, mas que não assegura a sua repartição equitativa, funcionando antes como uma espécie de centrifugadora que vai deixando de lado (excluindo-os do bolo comum) alguns dos seus membros.
No conjunto do espaço comunitário, estima-se em 78 milhões as pessoas em risco de pobreza ou seja 16% de toda a população (18%, em Portugal) e que um em cada dez cidadãos europeus vive em situação de pobreza extrema.É pois de saudar a decisão tomada pelas competentes instâncias comunitárias de declarar o ano de 2010 como Ano europeu de combate à pobreza e à exclusão social. Trata-se de um objectivo ambicioso a concretizar nos seguintes termos específicos:
-Reconhecer o direito das pessoas em situação de pobreza e exclusão social a viverem com dignidade e a participarem activamente na sociedade;
-Reforçar a adesão do público às políticas e acções de inclusão social, sublinhando a responsabilidade de cada um na resolução do problema da pobreza e da marginalização;
-Assegurar uma maior coesão da sociedade, na certeza de que todos beneficiam com a erradicação da pobreza;
-Mobilizar todos os intervenientes, já que, para haver progressos tangíveis, é necessário um esforço continuado nos vários níveis de governação e nas organizações da sociedade civil.
Importa sublinhar que a situação de pobreza é, hoje, considerada uma violação de direitos humanos fundamentais e, por isso, os estados têm a missão de a prevenir e combater com medidas apropriadas, como já acontece no mundo civilizado em relação a outras violações de direitos humanos: a falta de liberdade ou a tortura, por exemplo.
Não obstante este progresso jurídico e sociopolítico, ainda prevalecem, em muitos cidadãos, múltiplos preconceitos que alimentam a convicção de que a pobreza é, tão só, uma fatalidade e fruto da má sorte ou até mera culpa dos próprios pobres. Este tipo de raciocínios preconceituosos emperra a concretização deste desígnio civilizacional de erradicar a pobreza.Esperemos, pois, que o ano que agora começa nos leve a olhar para a pobreza, com outros olhos, numa perspectiva de verdade, lucidez, justiça e solidariedade de que resultem maior criatividade e empenhamento pessoal e colectivo dirigidos no sentido da sua erradicação.
Para que a pobreza possa ser, em breve, um mero objecto arqueológico, como desejamos, há, certamente, que pressionar os poderes públicos no sentido de que sejam adoptadas todas as políticas necessárias decorrentes do seu compromisso a nível comunitário, mas há que, igualmente, investir muito na transformação da mentalidade da população em geral.
Trata-se, em primeiro lugar, de um desafio cívico mas também de uma exigência espiritual e constitui uma tarefa urgente com vista a criar uma efectiva mobilização em torno desta causa comum: erradicar a pobreza, para todos vivermos melhor."
Manuela Silva/Janeiro de 2010
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